Aécio e Bolsonaro, juntos na Lista de Furnas, na eleição de 2014 e no impeachment de Dilma
Por Joaquim de Carvalho
Por trás da queda de braço que a Procuradoria Geral da República trava com o ministro Gilmar Mendes em torno de um inquérito sobre Aécio Neves, está a chave que abre um dos segredos mais bem guardados da república: a corrupção em Furnas Centrais Elétrica, a maior estatal de energia no Brasil.
Em junho deste ano, depois que o Departamento de Recuperação de Ativos do Ministério Público Federal encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) os documentos referentes a contas de brasileiros no Principado de Liechtenstein, Gilmar Mendes determinou o arquivamento do inquérito, sem ouvir Ministério Público Federal.
Raquel Dodge se insurgiu contra essa decisão e, numa medida que tecnicamente é chamada de agravo regimental, pediu que ele reconsiderasse ou, caso contrário, encaminhasse seu pedido para a segunda turma do Supremo Tribunal Federal. Foi o que ele fez, como determina a lei.
Na votação do agravo regimental, Dias Toffoli acompanhou Gilmar Mendes, mas Celso de Mello e Édson Fachin foram contra. O resultado estava empatado em dois a dois quando Ricardo Lewandowski, presidente da segunda turma, pediu vistas e ainda não anunciou seu voto.
Se mantido o arquivamento o inquérito, será sepultado um dos segredos mais bem guardados dos esquemas de corrupção que remontam à gestão Fernando Henrique Cardoso, quando, por indicação de Aécio Neves, Dimas Fabiano Toledo assumiu a Diretoria de Engenharia de Furnas e montou um esquema de desvio de recursos que beneficiou governadores, senadores e deputados, inclusive o hoje presidenciável Jair Bolsonaro, na época deputado federal de um partido que dava sustentação ao governo federal.
No caso de Furnas, são várias as pontas de um novelo que levam a Aécio. No caso deste inquérito arquivado, está uma investigação de 2007, quando a Polícia Federal apreendeu no apartamento do casal de doleiros Norbert Muller e Christine Puschmann, no Rio de Janeiro, documentos referentes à conta de uma fundação aberta em nome da mãe de Aécio, Inês Maria Neves Faria, que tinha Aécio Neves como um dos beneficiários.
A Polícia Federal investigou o caso e, alguns anos depois, com anuência do Ministério Público Federal, arquivou o inquérito por entender que os recursos encontrados na conta eram inferiores a 100 mil dólares e, portanto, não precisariam ter sido declarados ao Banco Central.
Um dos procuradores que sepultaram a denúncia contra a mãe de Aécio é Marcelo Miller, mais tarde guindado à condição de braço direito de Rodrigo Janot, na Procuradoria Geral da República, e agora denunciado por crime de corrupção por envolvimento no caso da delação de Joesley Batista, da JBS.
Na época, Miller era um jovem procurador com poucos anos de Ministério Público Federal. Juntamente com o procurador Fábio Magrinelli, Miller assinou manifestação que contém uma interpretação elástica da lei, conforme artigo publicado no DCM no início de 2017, quando ainda não havia estourado o escândalo da JBS.
Inês Maria, juntamente com Aécio, foi poupada do processo, mas o caso voltaria à tona em janeiro de 2014, quando um jornal online de Minas Gerais, o Novo Jornal, crítico ao senador tucano, começou a preparar reportagem sobre as contas de Liechtenstein.
Antes que o texto fosse publicado, o dono do jornal, Marco Aurélio Carone, foi preso, sob a acusação de que fazia parte de uma organização criminosa para extorquir dinheiro de políticos e empresários.
A acusação se revelaria mais tarde inconsistente, Carone foi absolvido, mas sua prisão abafou o escândalo. O dono do Novo Jornal passou nove meses na cadeia, três deles em solitária, justamente no período em que Aécio fazia campanha para presidente da república. Depois que retomou a liberdade, tentou recuperar os documentos apreendidos, mas não teve êxito.
“Não tenho mais acesso aos arquivos do jornal e não consegui recuperar os documentos que ficavam na sede do jornal. Quando voltei à redação, estava tudo revirado, não tinha mais nada”, diz.
Mas, mesmo assim, ele protocolou representação no Ministério Público Federal e no Departamento de Recuperação de Ativos do Ministério da Justiça contra Aécio.
Janot arquivou a representação e, agora que se sabe que seu braço direito era o mesmo que havia investigado lá atrás o caso de Liechtenstein, não é descabido imaginar que o texto do arquivamento em dezembro de 2015 tenha sido da lavra de Marcelo Miller.
Já o Departamento de Recuperação de Ativos colocou o caso para andar.
Em seu agravo regimental contra Gilmar Mendes, Raquel Dodge diz que o Ministério Público também solicitou assistência jurídica do principado de Liechtenstein, por meio do Procedimento de Cooperação Internacional número 1.00.000.003849/2017-36.
A resposta veio em janeiro deste ano, através de documentos referentes a contas bancárias não só da fundação da mãe de Aécio Neves, a Bogart & Taylor Foundation, e de outra pessoa jurídica, a Boca da Serra, além de pelo menos 11 pessoas físicas, todos vinculadas de maneira direta ou indireta a Furnas.
Além de Aécio, aparecem duas irmãs dele, Andrea e Ângela Neves Cunha, a filha, Gabriela Falcão Neves Cunha, e o primo, Frederico Pacheco de Medeiros, aquele que o senador tucano, na conversa gravada por Joesley Batista, disse que poderia matar antes que fizesse a delação. Também foram enviados documentos referentes a contas bancárias no LGT de Dimas Fabiano Toledo e os filhos.
A Procuradoria da República tomou conhecimento do resultado do pedido de cooperação, mas não pôde ainda analisar o conteúdo dos documentos — saldo e extratos, principalmente.
Por isso, solicitou que o caso fosse remetido à Justiça Federal no Rio de Janeiro, onde teve início a investigação que levou a Liechtenstein, aquela de 2007 que resultou na busca na casa dos doleiros Norbert e Christine Puschmann.
Com a descoberta de que Dimas também tinha conta no principado, surge mais uma peça do quebra-cabeças de Furnas, que autoridades insistem em não remontar. O episódio mais conhecido é o da lista preparado por Dimas Toledo para forçar sua manutenção na diretoria da estatal, a partir do governo Lula.
Dimas teve uma sobrevida na estatal até que estourou o escândalo do mensalão, em 2005. Nessa época, enquanto os tucanos pressionavam o governo federal através de duas CPIs no Congresso Nacional, foi revelada a existência de uma relação de nomes de 156 políticos que receberam recursos para a campanha de 2002, via caixa 2.
Eram todos da base aliada de Fernando Henrique Cardoso.
Estão lá os nomes de Aécio, na condição de recebedor de recursos e com autoridade para indicar outros beneficiários, por meio da irmã Andrea, José Serra, Geraldo Alckmin e até de Bolsonaro, este com o quinhão de R$ 50 mil — R$ 146 mil em valores atualizados.
Assim como é feito agora, com o arquivamento do inquérito sobre Aécio Neves determinado por Gilmar Mendes, a Lista de Furnas sempre foi alvo de operações pra abafá-la.
No governo de Aécio Neves e Antonio Anastasia, a Polícia Civil de Minas Gerais conduziu inquéritos que resultaram na farsa de que existia uma quadrilha de estelionatários.
O lobista que divulgou a lista, Nílton Monteiro, foi alvo de atentado — incendiaram um carro em sua casa —, e apresentado em veículos de alcance nacional, na época simpáticos a Aécio, como a Veja, como o maior estelionatário do Brasil.
A farsa foi desmascarada quando peritos da Polícia Federal concluíram que a lista não era falsa. Foi mesmo Dimas Toledo quem a assinou. Segundo Nílton, com o propósito de pressionar políticos a defenderam sua permanência na Diretoria de Engenharia de Furnas.
Como a maior parte da base aliada de Fernando Henrique Cardoso se tornou também base aliada de Lula, a pressão deu resultado, pelo menos nos três primeiros anos do governo petista.
Quem pagou o preço mais alto foi Nílton, hoje de volta à prisão, por uma condenação polêmica. Ele foi acusado de falsificar uma nota promissória em nome de um advogado do Rio, que tinha negócios com Dimas Toledo.
Nunca foi feita perícia no original da nota promissória, e o relator do processo que resultou na sua condenação em segunda instância foi o desembargador José Mauro Catta Preta Leal, citado na denúncia do mensalão mineiro, que levou o ex-governador tucano Eduardo Azeredo à prisão.
Catta Preta Leal era procurador do Estado na época do mensalão e assinou parecer que sustentou a liberação de recursos para eventos de fachada, apenas com o objetivo de alimentar o caixa de campanha de políticos tucanos de Minas, através de operações coordenadas pelo publicitário Marcos Valério.
Nílton Monteiro foi recolhido à prisão enquanto Aécio Neves faz campanha para tentar se eleger deputado federal.
Carone também pagou um preço alto por investigar, como jornalista, as contas da família de Aécio em Liechtenstein.
Agora, mais uma vez, o Estado brasileiro tem a oportunidade de investigar o senador mineiro, ex-governador, que quase se elegeu presidente em 2014. Mas, como mostra a decisão de Gilmar Mendes, referendada por Dias Toffoli, ele ainda é um político blindado.
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