Por Herbert de Jesus Santos
(JPTurismo/Jornal Pequeno, 7.10.2016)
Qualquer pessoa interessada em saber como acabou, naquela visão fantasmagórica, o prédio que foi o do Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado (Sioge), após este ser o ponto de Inteligência e Cultura maranhenses mais respeitado pela intelectualidade brasileira, bastará puxar conversa com quem mais tem histórias horripilantes para contar: qualquer um comerciante da vizinhança, que também assistiu ao tempo áureo da autarquia estadual, noites de autógrafos cintilantes, funcionalismo (gráficos e administrativos) insuflados à produção, com salários e gratificações razoáveis.
A recuperação do importante prédio, com ocupação de mão-de-obra hábil, daria uma nova paisagem para a área do Mercado Central
Ouvirá, tintim por tintim, as façanhas do “homem-aranha”, que surrupiou, para vender, até as letras em bronze, que formavam, no frontispício, a sigla da repartição, e vivia, em seu recinto, até ser executado, a tiros, na Fonte do Bispo, há três anos; a empresa de solda, que passou um tempo, ali, operando, sem pagar imposto, assim como uma igreja evangélica, também desalojada pelos que se julgavam donos do pedaço e não quiseram nada de conversão.
Saberá da existência de uma hierarquia, com reuniões contumazes, no lugar em que foi o auditório espaçoso, que teve as fotos de todos os dirigentes da casa; que os mais influentes se “hospedam” no quarto 32, presumido por mim, onde fora o gabinete da presidência, e no 31, da diretoria administrativo-financeira, e no 30, da diretoria do Diário Oficial; para onde eram os banheiros das oficinas e no amplo restaurante, lupanares, aliás, bem-frequentados, haja vista o vaivém de casais, ou “clientes” que pagam nada ou preço mais baixo que os do popularizado “Xirizal do Oscar Frota”, no Portinho.
Maquete de como ficaria o prédio do Sioge, se ganhasse restauração digna
Tudo foi na tarde de 26 de setembro passado, quando fui sozinho checar informações de que o edifício secular estava com suas estruturas estalando, e ainda ousei entrevistar uma “inquilina”, na Rua Antônio Rayol, toda emperiquitada (com batom vermelho-cheguei nos lábios, sombras berrantes nas pálpebras, vestido preto surrado, nos saltos e rodando a bolsinha), que daria informação com dinheiro adiantado, e não insistiu, com a minha recusa. Não conheci, desta vez, a cúpula daquela falência generalizada, pois estava no ganho, na adjacência do Mercado Central, e só voltaria de noite, mas enriqueci meu dicionário com “boroca” (rede de dormir), “estou a zero” (sem dinheiro), “vou te meter uma desgraça” (tudo o que não presta imaginável), dentre outras preciosidades menos publicáveis.
A propósito, o editor-chefe da Agência Baluarte, Fernando Atalaia, nas redes sociais, recentemente, não poupou farpas, com sua indignação: “Dando lugar a ratos, barbárie, indigência e total ausência de políticas públicas, por parte dos órgãos competentes, as dependências da mais importante casa de cultura que funcionou por anos como editora de livros —grande parte da fundamental e relevante safra de autores maranhenses lançados de 30 anos para cá—, o Sioge assiste à sua própria decadência, sob o olhar indiferente do Governo do Maranhão, que desconhece sua importância para a Literatura do Estado.
A morte ronda os espaços, em total abandono, onde existiram os vitais setores da encadernação e impressão do órgão
Há algumas semanas, um homem foi assassinado a pauladas dentro de uma das salas, onde no passado escritores da estatura de Nauro Machado, Valdelino Cécio e José Chagas se reuniam para discutir os rumos da poesia e da prosa maranhenses”. Eram quase assim, ali, os três, já de saudosa memória: Valdelino acompanhava, para a publicação, os ganhadores do concurso anual promovido pela Secretaria da Cultura; Chagas, um dos editados mais renomados; e Nauro, com obra importante, no prelo, ou membro do Conselho Editorial do Sioge, do qual tive a honra de pertencer, na gestão do professor universitário e advogado Antônio José Muniz (1993-4), ao lado do contista Ubiratan Teixeira, e dos poetas Luís Augusto Cassas e Bernardo Almeida, que valiam o peso intelectual.
A Via-Sacra do Sioge, em três atos dolorosos
Alguns projetos de reutilização do prédio do Sioge foram raciocinados, e não saíram do papel: o de transformá-lo em um colégio de ensino médio; a obra, em 2004, não passou de 30% dos serviços feitos. Em 2008, a Marques Consultoria esboçou Restauração e Adaptação do Prédio em Mercado Municipal de São Luís, mas também não foi exitosa. Já em 2014, de acordo com periódicos, assessorias de comunicação e blogueiros, a UFMA anunciou que R$ 11 milhões lhe seriam repassados, para o surgimento de um Museu de Arqueologia.
O reitor, Natalino Salgado, saiu, a superintendente do Iphan, Kátia Bogéa —que faria a intervenção—, idem, e só não se deu o melhor, e aonde o dinheiro caiu, se foi liberado, e se o gato agiu. Sem a destinação decente, a alteração de verdade foi em esconderijo para assaltantes e toxicômanos, com recrudescimento da violência e já registro de três homicídios e um infanticídio, ali.
De Luz da Cultura à Casa da Morte
Continua esta miséria visual: palco de homicídios, drogados e lenocínio repugnante
Um desocupado, Júnior, foi achado morto em 31 de março último, com a cabeça rachada, no lugar ruinoso. Em 12.10.2015, foi Lourinho, a facadas, e sem diligência policial. No 1.º desse mês, uma ossada de bebê foi descoberta num fosso, reforçando a maldição de Casa da Morte: “É um absurdo um prédio tão grande e de tanto valor histórico para o Maranhão sendo usado em consumo de drogas e outros crimes!”— disseram, por uma só voz, residentes e trabalhadores da área. Ou ao que assisti: “No auge do Sioge, até na década de 90, aqui na porta era cheio de populares, escritores, e figuras da alta, e hoje é esse caos!”
Apelo à maranhensidade
Este repórter (que nem precisa dizer mais que é maranhense, consoante a Prof.ª Graça Rodrigues, codoense, radicada há mais de 30 anos no Distrito Federal) está ficando careca de publicar barrigas (notícias infundadas, na Imprensa), como a de que a UFMA construiria ali um Museu de Arqueologia do Maranhão, neste semanário, qual na ed. de 25.5.2012, matéria sob o título Sioge — Tá na Hora de Capar o Gato, não só Levando na Manha: Enfim, após 15 anos, será dada uma destinação decente ao prédio centenário do Sioge, que marcou época como a maior e mais importante editora do Maranhão, e que está servindo, nos últimos tempos, de refúgio para ladrões e drogados.
O orgulho do Sioge e a nossa vergonha no Brasil
Acertei, porém, em que, sem a existência do Sioge, o Maranhão sai mais no Jornal Nacional da TV Globo em infelicidades, quanto a dos ataques de bandidos, incendiando ônibus e escolas, em São Luís, há pouco, pois sem uma linha, no Sudeste, sobre os lançamentos de literatos celebrizados, concursos literários generosos (nas premiações em dinheiro e tiragens, e incentivo aos moços), reedições de obras raras, o jornal Vagalume, apêndice do Diário Oficial vitorioso em certames de impressos congêneres, no País, coral e teatro dos servidores, com otimização da mão-de-obra, o ápice da nossa Inteligência, na apreciação preciosa da Academia Brasileira de Letras e União Brasileira de Escritores, no Rio, em 1993.
O magistrado Flávio Dino e a perseguição ao bem-te-vi combatente
Após a governadora Roseana decretar sua extinção, em 1997, onde era o Sioge, é uma morte atrás da outra, moral e fisicamente, começando daí a perseguição que sofro ainda, no serviço público estadual, com a minha indignação, publicada em jornal, de que os governos poderiam ressuscitar o órgão de vital importância para o desenvolvimento do Maranhão. Percebi que o governador Flávio Dino pode dar um fim ao morticínio iniciado com aquela sentença malfazeja.
Na noite de 9.10.2015, na 9.ª Feira do Livro-Felis (no Odylo Costa, filho, no recebimento do prêmio do Concurso Literário da Func, em que ganhei o 1.º lugar, em crônicas, A Ilha em Estado Interessante, meu 17.º título, entre prosa e poesia), e, ao microfone, solicitei, na presença da Sua Excelência, a ressurreição do Sioge, prometida, aliás, em alto e bom som. Cutuquei a onça com vara curta! Temos águias autores, para as resoluções decisivas, no Palácio dos Leões, e o bem-te-vi personalizado, aqui, que, por sua natureza, desafia o predador gavião e o afugenta, na ameaça ao seu ninho! Sioge vivo, Maranhão mais digno ao Brasil! Seria meu slogan publicitário. E só pra contrariar os pessimistas, com o fecho da obra famosa: “Ninguém se perde no caminho da volta!”
Fotos: Reprodução da Internet
Fonte: Blog do Ed Wilson Araújo