Cientistas políticos analisam efeitos da primeira oitiva do ex-presidente na Lava Jato.
Jornal do Brasil
Pamela Mascarenhas
A expectativa pelo primeiro encontro entre o ex-presidente Lula e o juiz federal Sérgio Moro era grande, mas parece que não foi atendida. O encontro colocado como “embate”, como se se tratasse de acusação e defesa e não de juiz e defesa, acabou praticamente “neutro”, acreditam cientistas políticos de diferentes linhas de pensamento, consultados pelo Jornal do Brasil. Para eles, contudo, a sessão de cinco horas e dez minutos serviu para pelo menos uma coisa, alavancar a candidatura petista para 2018.
Frederico de Almeida, professor do Departamento de Ciência Política da Unicamp, aponta que o depoimento “não traz nada de novo”, apesar da expectativa de que o processo contra o ex-presidente na Lava Jato pudesse ter um desdobramento mais duro contra ele, no sentido de uma condenação.
“Mas tem duas questões: as testemunhas ainda vão ser ouvidas, o tempo para algo determinante acontecer era mais na fase da investigação até o momento da denúncia. Não parece ter uma evidência nova [em relação ao ex-presidente]. Nesta fase do processo, é difícil que surja algo que justifique a prisão provisória do Lula. Não se falou nada [sobre o depoimento] que a gente não soubesse das apresentações do Ministério Público, sobre suspeitas e provas”, diz. “Isso vai se prolongar por um tempo.”
Lula prestou depoimento a Sérgio Moro por cinco horas
Do ponto de vista jurídico, então, o professor não esperar uma desdobramento imediato. Já no político, Almeida ressalta que havia uma expectativa “muito grande” de que o depoimento causasse um constrangimento para Lula ou para Moro. Criticando a ideia de “embate” criada em torno do encontro de réu e juiz — para ele, algo “lamentável” –, o professor aponta que não houve “vencedor”, contudo.
“Do ponto de vista do funcionamento do Judiciário, em uma democracia, em condições normais, a gente não pode tratar [o cenário desta forma]. São dois problemas, um é que o depoimento foi transformado em embate entre o juiz que deveria ser imparcial, um terceiro, e o réu. Até a acusação sumiu do debate”, destaca o professor.
“O segundo problema é que foi criado, não só pela imprensa mas também pela opinião pública que não entende muito bem o funcionamento do Judiciário, e também não precisa entender, mas eu tenho a impressão de que o próprio Moro alimentou a visão do embate, da forma que se ele coloca no debate público como referência no combate à corrupção. Se coloca como alguém que recebe prêmios, homenagens, que circula em eventos sociais e políticos com algumas pessoas, inclusive, denunciadas ou acusadas, que emite notas agradecendo fãs, que gravou vídeo pedindo para apoiadores não irem. Não pode dizer que foi Lula quem politizou o processo, quem criou esta politização foi o próprio juiz. É muito perigoso que um juiz faça isso”, alerta Almeida.
Sobre a mobilização dos militantes, o professor destaca que a a favor de Moro foi “fraca” e que a favorável a Lula foi “intensa”. “Isso era de se esperar [a pequena presença de manifestantes contra o Lula]. Não sei se foi atendendo a um pedido dele [Moro] ou por desmobilização. Já a capacidade de articulação da base de apoio do Lula é muito forte, com sindicatos, movimentos sociais e o próprio partido.”
O saldo da mobilização pró-Lula, acredita Almeida, apesar do ataque que feriu uma criança durante a madrugada em Curitiba, é a “força do Lula em mobilizar”. “Acho que a resposta que ele está dando em politizar o processo se dirige à politização que foi criada antes. A grande questão agora é saber se Moro e a Lava Jato têm condições de mobilizar forças na população da mesma forma que uma liderança histórica, como o Lula é.”
O princípio básico da política
A cientista política Clarisse Gurgel, professora da Unirio, chama a atenção para o fato de que se trata apenas do primeiro depoimento, e que “provavelmente Moro vai pensar muito no que fazer para o segundo”. “O que Lula fez foi algo que ele sabe fazer muito bem, que é o princípio estratégico básico da política: transformar ameaça em oportunidade.”
“O Lula é extremamente habilidoso. Sem dúvida, a esquerda que estava crítica ao Lula está começando a pegar carona na onda que ele está conseguindo instaurar, de perseguição. O grande eleitor do Lula parece ser o Moro”, aponta a professora. Ele está criando um palanque para o Lula, transformando ele em vítima. Indubitavelmente, Lula está sendo perseguido pelo Moro.”
A professora reforça: “A “única saída para o PSDB derrubar a candidatura de Lula e a possível eleição dele em 2018 é o Judiciário, porque pela política o Lula já está vencendo”. “Lula é um sujeito forjado na luta política. Ainda que seja sindical, é uma luta marcada pelo debate sobre poder. Política é disputa de poder. É interessante que, ao ir depor ao Moro, ele trouxe à tona aquilo que fica escondido em todos os tribunais, que é o caráter político da justiça. Isso ficou muito evidente quando ele rebatia o que o Moro falava. Isso não se faz normalmente no Judiciário, que tem uma atmosfera solene. Mas Lula, que é experiente, que carrega uma legitimidade muito grande, se sentiu à vontade para deixar evidente isso.”
Para Clarisse Gurgel, a fala de Moro num vídeo orientando para que os opositores de Lula não fossem às ruas já era uma tentativa de traduzir o esvaziamento por parte deles. “Ou seja, eles já sentiam que o lado de oposição ao Lula ia ser minoritário.”
Roberto Gondo, doutor em Comunicação Política, por sua vez, apesar de reforçar que o depoimento não trouxe “nada de inovador”, aponta o que seria uma “estratégia” do Partido dos Trabalhadores para “esboçar uma vitimização do Lula e uma mitificação dele, como sendo alvo de perseguição”.
“Lula é réu não só nesse, mas em outros cinco processos. Obviamente, ele tem que dar justificativas. Não vejo um fato tão inédito. O que acho que é muito forte, observando a perspectiva das eleições, é uma posição estratégica do PT de já tentar esboçar uma vitimização do Lula e uma mitificação, como sendo alvo de perseguição.”