Anarquia bolsonarista bagunça PF, que se fortaleceu a valer no governo Lula

Agentes da Polícia Federal em ação. Foram os governos petistas, os de Lula em particular, que fortaleceram a instituição. Até demais! Bolsonaro levou a bagunça para ente do Estado – Imagem: Reprodução

Por Reinaldo Azevedo

Colunista do UOL

O presidente Jair Bolsonaro tem um espírito anárquico desde que seja ele o chefe. Sei que parece uma contradição já que a anarquia é, na origem da palavra, a negação da autoridade. “Não seria melhor, então, Reinaldo, afirmar que ele se considera um monarca absolutista, já que admite o poder de um só”. No que lhe diz exclusivamente respeito, sim. Mas a monarquia absolutista, como um sistema, não é avessa à ordem. Ao contrário: àquele “um” que manda, está subordinada uma cadeia fiel de comando.

Bolsonaro deixa um rastro de bagunça por onde passa. Foi assim no Exército, não? Quando era tenente, planejou com um colega explodir bombas em quarteis e mandar para os ares a adutora do Guandu, no Rio. Na sua carreira como deputado, foi saltando de partido em partido porque era a legenda de um homem só, permanecendo na Câmara como um político marginal, fazendo a defesa corporativa de militares da reserva e maximizando o tema da segurança pública. Tinha um eleitorado restrito, mas cativo, o suficiente para fazer três filhos também políticos. A família desconhece contracheque vindo de trabalho na iniciativa privada. Os agora supostos ultraliberais vivem mesmo é do Estado.

Mas voltemos ao tema da disciplina. Três delegados da Polícia Federal prestaram depoimento no inquérito que apura se o presidente tentou interferir na PF por razões políticas e para proteger amigos e familiares. Um deles é o superintendente no Amazonas, Alexandre Silva Saraiva. A Folha faz um apanhado do seu depoimento. Vale a pena ler. É incrível a falta de solenidade com que o presidente manda intermediários seus irem se metendo numa instituição para fazer consultas — e, na prática, futrica.

Segundo Saraiva, quem primeiro o sondou para eventualmente assumir a Superintendência do Rio foi… Alexandre Ramagem. Sim, este é delegado da PF, como se sabe, mas, quando a consulta aconteceu, em agosto do ano passado, era, como continua hoje, chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). O presidente queria tirar do comando da PF do Rio, o que acabou fazendo, o delegado Ricardo Saadi.

Aí Saraiva conta que esteve com Bolsonaro, então presidente eleito, para eventualmente assumir o Ministério do Meio Ambiente — e se entende que isso tudo acontecia à revelia do diretor-geral —, mas a coisa não prosperou. Até Sergio Moro o teria sondado para a Funai, o que também não se realizou. Saraiva endossou a crítica de Bolsonaro, afirmando que a produtividade da PF do Rio não era lá grande coisa.

Já seu colega, ex-superintendente no Estado, que substituiu Saadi, e atual número dois da PF, o delegado Carlos Henrique Oliveira, nega que a divisão tenha problemas. E até a considera entre as melhores unidades. Segundo Moro, Bolsonaro pediu expressamente o cargo no Rio para sua escolha pessoal. O presidente não conseguiu colocar Ramagem como diretor-geral da PF porque o Supremo não deixou, mas nomeou seu Zero Dois na Abin, Rolando de Souza, para Zero Um da instituição. E Rolando, homem, então, de Ramagem, faz o quê? Retira Oliveira do Rio, dá lhe um cargo burocrático de relevo — para todos os efeitos, é uma promoção — e põe no comando da PF do Rio um delegado que é do gosto de Ramagem e de Bolsonaro: Tácio Muzzi. Pareceu confuso? Pareceu a Casa da Noca?

Venham cá: com investigação de mensalão no governo Lula e de petrolão no governo Dilma, quando foi que vocês ouviram falar de baderna na Polícia Federal? Uma instituição que deveria estar entre as mais vetustas e impermeáveis à dança das cadeiras se transformou em mero palco de manobras de interesses mesquinhos do presidente. E tudo, no fim das contas, porque ele teme que a PF do Rio acabe desfechando alguma operação fora de seu controle que atinja os filhos. Quem tem Bolsonarinhos tem medo, não é mesmo? Até porque o presidente conhece o Bolsonarão.

Os senhores policiais federais, segundo sei, foram, digamos, tocados, eles também, pela lança bolsonarista e, em boa parte, “bolsonarizaram”. Com exceções, é evidente. Mas não poderão negar diante do espelho: foram os governos petistas que os alçaram a condição de heróis da República. Verdade ou mentira? Mais precisamente, o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. À época, critiquei o que achava excesso de protagonismo da PF. Mas sabem como é… Os petistas não davam bola e me atacavam porque acham que a minha profissão era atacar o PT. Errado: era defender o estado de direito.

Na democracia, sempre que a Polícia se torna saliente demais, convém verificar se não estamos diante de um sintoma. O resto é história.

Bolsonarizados em boa parte ainda, os policiais federais veem a PF se transformar numa espécie de Casa da Dona Maroca, em que a fofoca tem mais relevo do que o desempenho técnico. Sergio Moro também é culpado por isso porque, seja como juiz — no comando da operação Lava Jato; quem mandava era ele, ainda que seja absurdo! —, seja como ministro, também abusou de procedimentos heterodoxos. Até ser engolido por aquele que ajudou a eleger.

Colonizada, no sentido dos patógenos morais, pelo lava-jatismo e pelo bolsonarismo, a Polícia Federal precisa voltar à sua condição de ente que serve ao Estado brasileiro. Não vai ser fácil.

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