O “dono do pedaço”

Por Fernando Brito editor do TIJOLAÇO

A entrevista de Jair Bolsonaro, ontem, é uma fieira de exemplo de abusos e ilegalidades confessas do Presidente, que bastariam – sobrariam, até – para que respondesse por crime de responsabilidade.

Veja, por exemplo, o que ele diz sobre suas ações para responder ao caso da portaria de seu condomínio:

O nosso advogado geral da União já determinou ao PGR, procurador geral, que tome o depoimento do porteiro, bem como o dos servidores públicos, no caso o delegado da Polícia Civil, levando-se em conta que em que circunstância isso tudo veio a ocorrer.

O advogado geral da União, por lei, é advogado dos atos governamentais , não da pessoa do presidente. Usa-lo para defender-se no caso é o mesmo que usar bens ou dinheiro público com finalidade pessoal. Menos ainda ele “determina” algo ao Procurador Geral da República, que é, ou era, independente do Executivo. E, finalmente, não passa pela cabeça de ninguém que seja o Presidente da República que intime quem quer que seja a prestar depoimento.

Mas ele segue:

Primeiro, a Rede Globo tem de explicar que é que vazou um processo que corria em segredo de Justiça para eles.

A Globo e qualquer jornalista não têm de explicar nunca quem deu-lhes uma informação, porque o sigilo de fonte é mandamento constitucional. Se Jair Bolsonaro quer saber a origem do vazamento é preciso um procedimento com valor jurídico, uma investigação do Ministério Público e da polícia. Algo, aliás, que deixaria muitas mesas vazias no Ministério da Justiça, se fosse feito no caso da Lava Jato.

Aliás, algo que poderia ter sido feito desde o dia em que – e Bolsonaro o narrou em detalhes – o presidente foi chamado pelo Governador do Rio de Janeiro e recebeu a de Wilson Witzel que o porteiro do condomínio o havia envolvido no caso Marielle-Anderson Gomes. Como havia, em tese, um crime de quebra de sigilo judicial, Bolsonaro poderia ter feito uma comunicação ao Procurador Geral da República que resultaria na abertura de um inquérito.

Bolsonaro falou ainda da “busca e apreensão” feita sobre os computadores do condomínio, agora já não usando a expressão “pegamos as provas antes que as adulterassem”. Disse que apenas mandou o filho Carlos, gravar o conteúdo dos arquivos para provar que não era dele a casa que tinha autorizado a entrada do cúmplice do assassinato.

Apenas falei com meu filho, ele foi na portaria – como qualquer um dos 150 moradores podem fazer – colocou a data 14 de março do ano passado e todas as ligações para a minha casa e para a casa dele, ele simplesmente botou o áudio e filmou este áudio, nada mais além disso.

É um pouco demais acreditar que, sabendo no dia 9 de outubro, que o porteiro dissera em depoimento que havia feito ligação para sua casa – ou para seu celular, se o sistema do condomínio redireciona para ele as chamadas de portaria, algo comum, hoje – só 20 dias depois se tenha ido ver que isso não ocorrera, num arquivo tão fácil de ser acessado, como diz o presidente, que qualquer dos 100 condôminos pode chegar e rodar o programa.

A entrevista deixou claro que, apesar da negativa presidencial, o caso é “assunto encerrado”, bastando apenas que o porteiro, intimidado, diga que não tem certeza do que disse e que, depois de um ano, foi traído por um erro de memória.

O sistema policial-judicial brasileiro está completamente corrompido. As coisas são como se quer que elas sejam e ponto final.

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