Folha de São Paulo – Élio Gaspari
O PMDB nunca pensou, não pensa em sair do governo e sente-se ofendido se alguém admite essa hipótese. Quem corre o sério risco de sair do governo é o PT. O partido que foi de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves e hoje é de Eduardo Cunha e Renan Calheiros quer apenas tirar uma licença de alguns meses, até o início do governo de Michel Temer, seu atual presidente.
A ideia de que o PMDB resolveu sair do governo não tem nexo nem propósito e se destina apenas a esconder um objetivo. Os doutores querem que se creia que nada têm a ver com a ruína do governo e pretendem retornar ao poder como se Michel Temer fosse o sucessor constitucional da senhora Rousseff por ocupar a vice-presidência do Flamengo, não a da República, eleito por duas vezes, sempre compartilhando a chapa.
O PMDB sai do governo para continuar no poder, dando esperanças a oposicionistas que não tiveram votos e a todos os gêneros de maganos tementes da Operação Lava Jato. Ninguém sabe quais são os planos dessa coalizão para um eventual dia seguinte à posse de Temer, mas seu objetivo essencial está claro: trata-se de desossar a Lava Jato.
A armação oligárquica precisa sedá-la, pois há barões na cadeia e marqueses temendo a chegada dos homens de preto da Federal.
O PT e Dilma reagiram às investigações das ladroeiras com uma conduta que foi da neutralidade-contra à pura hostilidade. Se hoje a rua grita o nome do juiz Sérgio Moro e pede “fora PT”, isso se deve em parte à incapacidade dos companheiros de perceber que se tornaram fregueses num jogo viciado.
O comissariado acorrentou-se à própria falta de princípios. Desprezou a lição trazida pelas sentenças do mensalão e achou que pularia a fogueira do petrolão. A cada um desses lances de soberba jogou n’água uma parte de suas bases populares. Confiando na própria esperteza, foi para um carteado com jogadores profissionais e um baralho viciado. Os oligarcas depenaram-no. (Refresco para a crise: Quem quiser pode ver “Cincinnati Kid”, com Steve McQueen e Edward G. Robinson num de seus melhores momentos. Nessa mesa, o baralho era honesto.)
Sem cartas, Lula compara-se a Getúlio Vargas e seu comissariado grita “golpe!”. Tudo parolagem. Getúlio foi encurralado por uma rebelião militar a partir de um caso em que membros de sua guarda pessoal tentaram matar o principal líder da oposição.
Getúlio era um homem frugal. Ao contrário de Lula, nunca teve apartamento na praia e sua fazenda vinha de herança familiar. Não pode ser golpe o cumprimento de um dispositivo constitucional seguindo-se o ritual da lei, sob as vistas do Supremo Tribunal Federal.
Resta uma questão: as pedaladas fiscais não seriam motivo suficiente para o impedimento de um presidente. Além das pedaladas há sobre a mesa otras cositas más. Admita-se que essas cositas fazem parte de outro processo. Na atual etapa, tudo desemboca numa questão político-aritmética: a Câmara só poderá decidir a abertura do processo contra a doutora pelo voto de dois terços de seus deputados. Como Dilma, eles foram eleitos pelo povo e a Constituição diz que é deles a decisão nessa fase do julgamento. Sem os dois terços não haverá impeachment. Com eles, haverá. Ademais, era nesse Congresso que o PT cevava sua maioria, a famosa base de apoio.