Participantes da passeata de 1968 analisam os protestos atuais

Folha.uol

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DO RIO

“Estava todo mundo entupido de problemas, com gana de protestar.” A frase da cantora Nana Caymmi se encaixa perfeitamente nos dias atuais, mas se refere a um outro 26 de junho –como hoje, uma quarta-feira–, o de 1968, data da Passeata dos Cem Mil.

Principal manifestação popular de resistência à ditadura militar, a passeata, que aconteceu no centro do Rio, completa 45 anos hoje.

Folha ouviu alguns de seus participantes célebres para colher comparações com os protestos atuais –no Rio, as principais manifestações circularam na semana pela mesma região da de 1968.

“O foco era muito preciso, havia uma mobilização geral da sociedade contra a ditadura”, diz Gilberto Gil, um dos muitos artistas retratados durante a passeata por fotógrafos como o americano David Drew Zingg, cujas fotos da época estão expostas no blog do Instituto Moreira Salles (www.blogdoims.com.br).

“Essa de agora é a nuvem, para usar a expressão da internet. É um conjunto de demandas difusas em relação a uma série de coisas, apesar de ter pontos objetivos também, como o passe livre”, afirma Gil.

“Naquela época, a gente queria organizar uma democracia. Hoje, existe uma decepção com essa ideia da democracia representativa, e não só no Brasil”, diz o cineasta Cacá Diegues.

A Passeata dos Cem Mil foi resultado de uma série de insatisfações e incidentes, como o assassinato do secundarista Edson Luís, 18, pela Polícia Militar do Rio, em 28 de março, no restaurante estudantil conhecido como Calabouço.

“Aquilo se seguiu a três dias de confronto com a polícia na semana anterior, com muitos mortos”, diz Vladimir Palmeira, ex-presidente da União Metropolitana de Estudantes e um dos líderes da passeata.

“O governo decidiu permitir porque ficou com medo de que degenerasse para um conflito generalizado. Eles decretaram ponto facultativo, para tentar esvaziar.”

Diferentemente das maiores passeatas atuais, com violência de parte dos manifestantes e repressão policial, a de 1968 transcorreu em paz.

“Houve uma intimidação. Tinha tanque de guerra, metralhadoras, cavalos, um aparato militar como se fosse um dia de guerra. Mas a passeata foi em paz”, diz o diretor teatral Renato Borghi.

Editoria de Arte/Editoria de Arte/Folhapress

HIERARQUIA

Hoje, como em 1968, foi a jovem classe média que saiu às ruas. “Quem tem consciência e atua na sociedade politicamente é a classe média”, diz o poeta Ferreira Gullar, colunista daFolha.

“A diferença é que, naquela época, sabia-se quem estava organizando: a UNE, com os artistas e o respaldo do Partido Comunista. Participaram sindicatos, Igreja, associações de mães. Agora não, é o povo desorganizado.”

A existência de um comando central na Passeata dos Cem Mil deu unidade política ao discurso e evitou a violência dos manifestantes.

“Escolhia-se desde o itinerário até as palavras de ordem, era mais ensaiado”, diz o ex-deputado Fernando Gabeira.

Outro sinal desse planejamento foi a série de discursos na passeata, tanto em seu início, na Cinelândia, quanto no final, em frente ao Palácio Tiradentes –atacado por manifestantes na semana passada.

Mesmo sem lideranças identificáveis, à exceção do Movimento Passe Livre, as manifestações atuais conseguiram um objetivo semelhante a dos Cem Mil.

Como Costa e Silva à época, Dilma Rousseff recebeu representantes do movimento.

Entre os que estavam no protesto de 1968, ouvidos pela Folha, apenas Vladimir Palmeira foi a uma passeata atual –ele acompanhou a da última quinta no Rio, que reuniu estimadas 300 mil pessoas.

“As maiores reivindicações são por educação, saúde e a luta contra a corrupção. O problema é que grande parte da esquerda se sente atingida pela luta contra a corrupção, fica cheia de dedos por causa do processo do mensalão.”

Para Nana Caymmi, agora os protestos precisam parar.

“Já deram o recado, o mundo ficou sabendo, agora sossega o rabo. Deixa os outros trabalharem. Se o governo não tomar providência, marquem outra. Ou aprendam a votar”, conclui.

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