BOCA DO INFERNO

A SÁTIRA SOLITÁRIA DO POETA CUNHA
SANTOS NOS QUASE 400 ANOS DE SÃO LUIS

A cidade está sozinha
como sozinho estou eu
com medo de gente viva
e também de quem morreu

A cidade está sozinha
arfa no peito uma dor
não sei se ela é tua ou minha
só sei que é meu amor

Nesse pingo de planeta
em que carrego essa cruz
uns andam de bicicleta
outros de fachos de luz

A cidade está chorando
entre fardos de malícia
e o senador tá voando
no avião da polícia

A cidade está crescendo
cresce essa dor que nos dá
de ver gente se elegendo
nos aviões do Amapá

São Luís, cidade minha
que o Atlântico escondeu
chega de jantar farinha
enquanto comem o que é meu

Quem nasceu forte e francesa
e foi rainha do algodão
parece puta holandesa
de tanto meterem a mão

nos cofres da tua beleza
que permanece in natura
sobra tanta safadeza
que já não te sentes pura

Roubaram os canhões da porta
as pedras e o cata-vento
sem nada mais pra roubar
eles roubaram o convento

das mercês que solicito
como poeta indiscreto
que canta esse povo aflito
que virou ato secreto

porque essa gente enrola
programando funeral
de líder de quilombola
e trabalhador rural

A cidade está sozinha
se ninguém lhe junta os cacos
Cá a Ema é uma galinha
que lhe enche de buracos

A cidade está crescendo
para baixo e para o fundo
e o senador só dizendo
que aqui é seu fim do mundo

Pelas glórias do passado
e as tristezas do presente
muita gente virou gado
e muito gado hoje é gente

A cidade se transforma
entre reis e pelebreus
gigante de qualquer forma
sentindo falta de Deus

Sumiu prata, sumiu ouro
ninguém mais respeita a lei
mas a ilha é um tesouro
de um dono só: Zé Sarney

Bela cidade encantada
de El Rei Dom Sebastião
eu não te troco por nada
mesmo com tanto babão

Ilha de todas as ilhas
que passa por mal momento
cuidado com as armadilhas
de quem anda de jumento

Eles planejaram tudo
por cima e abaixo dos panos
e o rombo está mais rombudo
nos teus 400 anos

Parabéns minha cidade
de crioulas e bumba-boi
se o próprio Pedro Não Vais
ninguém sabe aonde foi

Parabéns, cidade minha
que ilustra a natureza
terra de muita maminha
e de muita safadeza

O teu povo tá cansado
de ver sumirem milhões
na Câmara, no Senado
e no Palácio dos Leões

Por isso meus parabéns
têm uma nota de agonia
se não te roubam de noite
eles te roubam de dia

Não há cidade tão linda
nem mulheres como essas
se nada fizeram ainda
vão fazer a Via às Pressas

Ser poeta é um suplício
vendo tanta coisa errada
mas é o meu sacrifício
Terra minha, terra amada!

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