Os búfalos de Brotas e o touro da Paulista

Por Fernando Brito, editor do TIJOLAÇO

Nos anos 30, na grande depressão que se seguiu ao “Crack da Bolsa”, nos Estados Unidos, o escritor Horace McCoy publicou o romance They Shoot Horses, Don’t They? que, nos anos 60 viraria um filme com o mesmo título (aqui, “A noite dos desesperados”), onde um par de jovens, atravessando as agruras da falta de emprego e da fome, mete-se num concurso de dança onde não eram a arte e a graça que definiam os vencedores, mas a capacidade de resistir mais tempo bailando, até perderem as forças ou a resistência mental.

Nada muito diferente dos atuais reality shows de hoje e suas promessas de dinheiro e fama para quem vive sem perspectiva de sobreviver e ascender pelo trabalho.

Ao ver as imagens, fartamente distribuídas dos búfalos moribundos, deixados para morrer em Brotas, no interior de São Paulo, aquele They Shoot Horses, Don’t They? veio-me à cabeça, por não poder de deixa de ver, ali, a degradação a que se submete, pelo abandono e pobreza centenas de milhares de brasileiros deixados à mercê da fome e da brutalidade, nas calçadas deste país, que só não tem o mesmo destino dos pobres animais porque há, afinal, lixo e carcaças de ossos para “salvá-los”.

Ou melhor, acharmos que se salvam, porque das feridas do estômago ou da mente lhes vem outros males, que lhes tiram a saúde e a dignidade em grau tão profundo que muitos já não terão volta.

A “razão” para a monstruosidade do fazendeiro de Brotas, dizem os jornais, era de que os animais estavam velhos, improdutivos mas, em “consideração” aos ganhos que já tinham dados, não os abateu por “compaixão”, tanta que os deixou abandonados à fome e à sede.

Todo mundo vai morrer um dia – lembram quem disse? – inclusive os búfalos.

Comete-se, com humanos, crime igual, com igual hipocrisia. Ou, até, sem ela para registrar a vergonha.

Como aos búfalos de Brotas, voltamos ao mapa da fome, este território que não poupa nem as calçadas dos bairros de classe média alta, onde se morre, por dentro e por fora, no pasto ralo que o touro da Paulista deixa para eles.

Mas, afinal, não se descartam búfalos? Por que não gente?

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