Por que o Brasil, alvo de um retrocesso tão violento quanto o do Equador, não se levanta?

Sonia Vera

Por Joaquim de Carvalho no DCM

A coordenadora jurídica da Rede de Organizações da Sociedade Civil Equatoriana, Sonia Vera, apontou as razões que deram origem à revolta no Equador.

Não foi só o empréstimo de 4,2 bilhões do Fundo Monetário Internacional — mais 6 bilhões de bancos privados.

“A gota que derramou o copa d’água foi o fato do governo de Lenin Moreno cumprir um plano de governo da direita”, disse ela, em entrevista ao DCM TV.

Durante o governo de Rafael Correa, Sonia foi eleita conselheira, função criada para exigir e acompanhar a implantação de direitos constitucionais.

Ela lembrou que Moreno foi eleito presidente para dar continuidade a um projeto iniciado por Rafael Correa, o Revolução Cidadã, mas traiu esse compromisso.

Como consequência do acordo com o FMI, o Equador começou a implantar uma reforma trabalhista — qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.

Sob governo Temer e sob Bolsanaro, o país não precisou nem de acordo com o FMI para defender o facão nos direitos trabalhistas

Além disso, foram retirados subsídios — exatamente como Paulo Guedes pretende fazer —, que provocaram aumento brutal do preço da gasolina.

O Brasil, apesar de grande produtor de petróleo e com refinarias próprias, também viu o preço dos combustíveis disparar, como resultado da adoção de uma política de preços internacionais.

No Equador, houve revolta.

“A cidadania se cansou e efetivamente tomou as ruas”, disse. Quem detonou os protestos foram os caminhoneiros, que, presos, recuaram.

Mas muita gente permaneceu nas ruas. “Calculamos que haja 100 mil pessoas mobilizadas em todo país, o que inclui médicos, engenheiros, servidores públicos, operários, camponeses e lideranças indígenas”, contou.

São calculados em 20 mil os indígenas que participam dos protestos. São de três regiões —   costa, serra e oriente.

A pauta deles é a mesma dos demais trabalhadores — revogação do decreto 883, que promoveu o ajuste fiscal, renúncia dos ministros da Defesa e do Interior, respectivamente Oswaldo Jarrin y Maria Paula Romo, e saída do FMI do país.

Na reforma trabalhista, os mais prejudicados foram os servidores públicos. “Eles tinham direito a 30 dias de férias por ano e, com essas reformas, esse descanso foi reduzido a quinze”, explicou.

No setor privado, os trabalhadores perderam um dia de salário, que será convertido em imposto para cobrir o suposto déficit público.

Para os empresários, houve benefícios, como a redução de imposto para as multinacionais enviarem lucros para suas matrizes.

Ou seja, para se sustentar, o governo tira de quem tem menos e dá a quem tem mais.

Mulher indígena também participa dos protestos. Do Facebook de Sonia Vera

Também reduziu impostos para a importação de computadores e telefones, medida que reduz a receita do governo, sem que essa medida represente benefícios à maior parte da população, que não tem dinheiro para comprar essas equipamentos.

Além disso, perdoou a dívida tributária dos empresários que alcançavam 4,5 bilhões de dólares, ao mesmo tempo em que pegou dinheiro emprestado do FMI.

“Efetivamente, o que está ocorrendo é que nós equatorianos estamos pagando a dívida dos empresários”, afirmou.

“Isso é nefasto porque os empresários que estão em dia não têm nenhum benefício”, afirmou.

No Equador, a expressão judicialização da política — ou lawfare — é tão comum quanto no Brasil.

A exemplo de Lula, Rafael Correa também venceria as eleições se pudesse disputar. Mas a legislação proíbe sua candidatura e há uma ordem de prisão contra ele, que mora hoje na Bruxelas, com a mulher, que é belga.

“A direita não tem candidatos em condições de vencer. Se fossem realizadas eleições, qualquer nome que Rafael Correa indicasse venceria”, diz.

Porém, com a judicialização da política, Sonia Vera diz a perseguição a este candidato começaria no dia seguinte à indicação.

O acordo com o FMI e bancos privados representa o oposto do que defendeu e realizou Correa quando foi ministro da Economia e depois presidente do Equador.

Ele fez auditoria da dívida e, com isso, conseguiu reduzi-la e equilibrar as contas do país.

Em uma entrevista que deu ao jornalista catalão Jordi Évole — que chegou a ser comparado a Michel Moore pelo The New York Times —, Correa contou que a dívida era uma armadilha para tirar as riquezas do país.

Dois anos e quatro meses depois de passar o governo a seu sucessor, eleito com seu apoio, o Equador retornou ao laço do passarinheiro. Para a alegria dos bancos e tristeza do povo equatoriano, que, no entanto, não se calou.

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