Uma mulher impedida de continuar na casa em que morava por ameaças do ex-marido tem o direito de ficar na residência sem presença ou impedimento do agressor. A decisão foi tomada pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), que se manifestou favoravelmente ao recurso de uma comerciante pelo direito à moradia.
O entendimento unânime do órgão colegiado do Tribunal é de que as varas especializadas em violência contra a mulher têm competência para reconhecer o direito patrimonial da autora da ação. O voto da desembargadora Maria das Graças Duarte (relatora) determina que o ex-marido devolva o imóvel à ex-mulher e não coloque obstáculo para sua utilização, sob pena de multa diária de R$ 100,00 em caso de descumprimento.
Os desembargadores Marcelo Carvalho Silva e Raimundo Barros concordaram com o voto da relatora, pelo provimento do agravo de instrumento. “Quem tem que sair de casa é o agressor, não a mulher”, enfatizou Silva, após elogiar o entendimento de Maria das Graças Duarte. O parecer da Procuradoria Geral de Justiça foi no mesmo sentido.
Marcelo Carvalho disse que, além de garantir ao juiz da vara especializada a competência sobre matéria de cunho patrimonial, a decisão inédita faz com que mulheres agredidas não precisem sair de sua casa, em companhia dos filhos, para uma casa abrigo. Para ele, em caso contrário, haveria inversão de princípios constitucionais e violação do princípio da dignidade humana.
URGÊNCIA– Inicialmente, a comerciante entrou com ação cautelar para obter medida protetiva de urgência, alegando que seu ex-marido a estava impedindo de utilizar casa de sua propriedade, mediante constantes ameaças.
Em princípio, uma liminar da Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher, da comarca de São Luís, deferiu a medida, determinando ao ex-marido manter distância de 200 metros em relação à ex-mulher, proibindo-o de manter contato com a ofendida e seus familiares e de frequentar o lar onde ela se encontra por 90 dias. Declarou ainda a propriedade exclusiva da autora da ação sobre o imóvel.
Em razão do não cumprimento da medida, a comerciante procurou a Defensoria Pública e requereu providências. O juiz avaliou a decisão anterior e concluiu que a vara especializada não poderia emitir decisão declaratória de propriedade em liminar durante audiência de justificação.
O magistrado de 1º grau declarou, de ofício, a nulidade da liminar na parte referente à declaração de propriedade da autora do imóvel, por entender ser garantia à ordem jurídica, e revigorou as medidas proibitivas por mais 90 dias. A competência para reconhecer o direito patrimonial, em seu entendimento, seria de uma vara cível.
Ameaça – A relatora do recurso avaliou provas constantes nos autos e viu documentos e relatos da agravante que indicam ter sido ela impedida de usufruir do imóvel, sob ameaça do agravado, seu ex-marido e vizinho.
Maria das Graças Duarte entendeu que a situação claramente se enquadra na Lei Maria da Penha, em razão do inciso III do artigo 5º da Lei nº. 11.340/2006, segundo o qual a lei é aplicada mesmo em casos em que o agressor tenha convivido com a ofendida em relação de afeto, independentemente de coabitação, entendimento pacífico no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Frisou que, no caso específico do tema, o artigo 24, inciso I, prevê expressamente a proteção de cunho patrimonial pretendida pela agravante, ao dispor sobre possibilidade de concessão de medida protetiva para restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida.
Acrescentou que não cabe afirmar que os juizados ou varas especializadas em violência contra a mulher não podem apreciar questões de cunho patrimonial, haja vista sua competência híbrida, sobretudo porque a violência patrimonial ocorre sob ameaça, hipótese em que a competência da vara é evidenciada pela jurisprudência.
Concluiu que o obstáculo imposto pelo ex-marido configura, inclusive, impedimento indevido do direito fundamental de moradia, disposto no artigo 6º da Constituição Federal.
Assessoria de Comunicação do TJMA