Marco Antonio Villa diz que a cassação de Jackson Lago foi “crime contra a nacionalidade”

Marco Antonio Villa: ‘os políticos vivem do saque organizado do país’

Blog do Manoel Santos

O lançamento do Instituto Jackson Lago, realizado na noite de quarta-feira (4 de abril), na sede da OAB-MA, no Calhau, foi marcado por uma palestra proferida pelo historiador Marco Antonio Villa. A palestra versou sobre o tema “Oligarquia e Democracia: desafios para o Brasil no século XXI”.

A palestra foi iniciada com a denúncia pelo palestrante do golpe judiciário que derrubou o governo Jackson Lago, cunhando a expressão “crime contra a nacionalidade”.

O palestrante traçou amplo painel sobre a história política brasileira do século XVIII ao século XXI, evidenciando o caráter arbitrário da República entre nós e as sequenciadas imposições de cima para baixo, contra os direitos de cidadania.

Ele disse que considera que os problemas centrais vividos hoje na política brasileira, como a corrupção intensificada, a fragilidade dos poderes da República, a prevalência de oligarquias no Norte e Nordeste, estão relacionados ao PERÌODO DA TRANSIÇÂO DEMOCRÁTICA entre a ditadura militar e a redemocratização, pois o novo já nasceu velho, sob a liderança de um dos principais representantes da velha ordem, José Sarney. Os caminhos apontados para solucioná-los passam pela organização cidadão, educação política e apresentação de projetos alternativos viáveis.

Só para lembrar: em maio de 2009, este blog reproduziu um artigo do historiador Marco Antonio Villa, publicado na seção Tendências e Debates, da Folha de S. Paulo, no qual o autor afirma que a cassação do governador Jackson Lago pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) “foi um golpe às claras, organizado por uma família que tiraniza há mais de 40 anos o Maranhão”.

No artigo, intitulado “O país do faz de conta”, o historiador manifestou também desesperança de que as eleições do ano que vem tragam o fim das práticas antiéticas no Congresso, hoje sob administração peemedebista (José Sarney, no Senado, e Michel Temer, na Câmara).

Ele escreveu: “Como de hábito, haverá [nas eleições de 2010] renovação próxima dos 40%. As práticas, porém, deverão continuar as mesmas. A desmoralização da atividade parlamentar chegou a tal ponto que o político comunica por meio da imprensa quais os cargos que deseja para apoiar o governo: a partilha da máquina pública é realizada abertamente. Alguns congressistas têm uma lista pronta, são especializados em certas áreas. O senador José Sarney, por exemplo, tem um gosto especial pelo setor elétrico, um apego à Eletrobrás, Eletronorte e congêneres – como se tivesse cursado direito à força, pois sua vocação seria a engenharia elétrica”.

Releia a íntegra do artigo de Villa:

“O Brasil é o país do faz de conta. No ano passado, foi louvado o 20º aniversário da Constituição. Os três Poderes foram elogiados, especialistas falaram da importância do Ministério Público, seminários e livros foram realizados e editados, como se vivêssemos em pleno equilíbrio e funcionamento eficaz dos Poderes.

De nada adiantou o oba-oba, pois, nas últimas semanas, assistimos a mais uma sucessão de embates entre os Poderes, além de sérias divergências no interior de cada um deles – isso só para ficar na esfera federal.

A realidade acabou, mais uma vez, se sobrepondo aos Afonsos Celsos que proliferam no Brasil, os ufanistas de plantão sempre prontos a engrossar o coro de que vivemos em uma democracia com instituições democráticas plenamente consolidadas.

Estranha democracia em que, na suprema corte, um ministro acusa seu presidente de desmoralizar o Judiciário e, no dia seguinte, o acusado considera o fato absolutamente normal, como se fosse uma divergência de mesa-redonda de futebol. Já o acusador foi almoçar no Rio de Janeiro com uns amigos, como se estivesse gozando férias. Corte em que, aliás, um dos ministros utiliza-se do cargo para obter privilégios a amigos e familiares no aeroporto internacional do Rio de Janeiro.

Semanas antes, o senador Jarbas Vasconcelos acusara a cúpula do PMDB de ser corrupta. A grave denúncia foi recebida com naturalidade, como se se tratasse de uma divergência musical. Os atingidos preferiram o silêncio, certos (e têm enorme experiência nessa especialidade) de que o melhor era evitar o debate, pois logo o assunto cairia no esquecimento, substituído, como de hábito, por outra denúncia. E foi o que ocorreu.

Mas a balbúrdia legal continuou. O TSE agiu como a antiga Comissão de Verificação de Poderes, da República Velha, famosa por anular eleição quando o opositor era o vencedor: tempos do voto de cabresto, das atas falsas.

No Maranhão, o governador Jackson Lago foi apeado do poder. Foi um golpe às claras, organizado por uma família que tiraniza há mais de 40 anos aquele Estado, o mais pobre do país. O que aconteceu? O país silenciou.

Ninguém protestou. Nem o partido do ex-governador (ilusão imaginar que o PDT perderia a “boquinha” do Ministério do Trabalho). E estamos com as instituições democráticas consolidadas… O presidente da República eleito em 2010 irá governar com um Congresso muito semelhante ao atual.

Como de hábito, haverá renovação próxima dos 40%. As práticas, porém, deverão continuar as mesmas. A desmoralização da atividade parlamentar chegou a tal ponto que o político comunica por meio da imprensa quais os cargos que deseja para apoiar o governo: a partilha da máquina pública é realizada abertamente.

Alguns congressistas têm uma lista pronta, são especializados em certas áreas. O senador José Sarney, por exemplo, tem um gosto especial pelo setor elétrico, um apego à Eletrobrás, Eletronorte e congêneres – como se tivesse cursado direito à força, pois sua vocação seria a engenharia elétrica. Outros preferem a Sudam, como o deputado Jader Barbalho, especialista em ranários. A lista poderia ocupar toda esta página e faltaria espaço.

Todos falam que é preciso mudar. Mas é um discurso vazio, sem nenhum efeito prático. Na verdade, a ampla maioria do Congresso Nacional não deseja nenhuma mudança de fundo. Querem e vivem do saque organizado do Estado, que, no Brasil, recebeu a curiosa denominação de presidencialismo de coalizão. Como se a aliança estabelecida entre o Executivo federal e a sua base no Congresso tivesse algum princípio político. A crise do Congresso tem no Palácio do Planalto uma de suas raízes.

Essa relação perversa (“é dando que se recebe”) poderá mudar se o presidente eleito apresentar ao Congresso um plano de governo, estabelecendo aliança de sustentação com base em uma agenda programática.

Poderá modificar o rumo da história apresentando inicialmente, em rede nacional de rádio e TV, o seu plano de governo e conclamando o apoio da nação e, evidentemente, dos partidos com representação no Congresso.

O efeito pedagógico dessa medida certamente influenciaria as esferas estaduais e municipais, onde se repetem os mesmos problemas. Seria o primeiro passo, rompendo o principal elo de desmoralização do Legislativo.

Os três Poderes devem passar por uma reforma urgente. Mas nada indica que isso ocorrerá em curto prazo. A desmoralização das instituições vai, infelizmente, continuar.

Marco Antonio Villa, 53, é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFScar (Universidade Federal de São Carlos) e autor, entre outros livros, de “Jango, um Perfil”.

 

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