Para evitar prejuízo com nova regra, candidatos a vereador desestimulam voto em legenda

RAFAEL GREGORIO
CAROLINA LINHARES

FOLHA DE SÃO PAULO

Partidos notórios por receberem muitos votos de legenda enfrentam nesta eleição um desafio inédito: traduzir a identificação em escolhas por candidatos específicos.

É que em 2016 será aplicada pela primeira vez uma regra inserida na reforma eleitoral aprovada pelo Congresso no ano passado: além de o partido ter de superar o quociente eleitoral, seus aspirantes a vereador agora precisam ultrapassar 10% desse índice em votos nominais.

O quociente é fruto da divisão dos votos válidos em um município pelas cadeiras na Câmara. Em 2012, o resultado em São Paulo foi de 103.843 –a “nota de corte” para vereadores teria sido, portanto, de 10.384.

Caso a nova lei estivesse valendo naquele ano, o único dos 55 legisladores paulistanos a perder a vaga teria sido Toninho Vespoli (PSOL), que recebeu 8.722 votos, ainda que o partido tenha somado 117.475 votos.

Neste ano, Vespoli mudou a estratégia e, em suas palavras, “busca trabalhar mais o nome associado ao número”, inclusive em sua página no Facebook. Outros candidatos do PSOL e da Rede fizeram o mesmo.

“Nas agendas de campanha, a gente aborda os eleitores e explica pra eles a mudança. A maioria não sabe”, diz Vespoli. Segundo ele, em outras épocas, a propaganda traria uma personalidade conhecida. Agora, além disso, o PSOL divulga uma peça em que todos os candidatos a vereador aparecem em fila, na tentativa de personificar o voto.

A motivação oficial da mudança na lei é evitar a eleição de aspirantes com baixa representação. Caso o candidato não alcance seu mínimo, a vaga seria redistribuída a outros partidos ou coligações.

Partidos como como o PSOL e o PRB, entretanto, veem na reforma outra motivação: uma tentativa de prejudicar siglas que tradicionalmente agregam votos ideológicos.

“Quando abordo os eleitores, muitos respondem que vão escolher a legenda”, diz Todd Tomorrow, candidato a vereador em São Paulo pelo PSOL.

Com bom retrospecto em 2014, quando não se elegeu deputado federal, mas superou 15 mil votos na capital, Todd, assim como Vespoli, investe em conscientizar eleitores a escolherem um nome.

O PRB também pode ser afetado pela novidade. Entre os partidos que elegeram vereadores em São Paulo em 2012, o do atual candidato à prefeitura Celso Russomanno teve 55% de votos na sigla. O PSOL, hoje com Luiza Erundina concorrendo à prefeitura, somou 35%.

Ambos foram superados nesse quesito apenas por siglas que não conseguiram eleger candidatos, como o PCB, com 82% de votos na legenda.

Segundo a coordenação da campanha de Russomanno, os candidatos a vereador, porém, não voltaram sua estratégia especificamente para os votos nominais.

Editoria de arte/Folhapress

LEITE DERRAMADO

No Rio de Janeiro, Jean Wyllys (PSOL) iniciou campanha para conscientizar os eleitores do partido.

O deputado federal passou a marcar em suas publicações em redes sociais os perfis, com nome e número, de cinco candidatos a vereador no Rio, como Tarcísio Motta e Marielle Franco.

Na capital fluminense, 50% dos votos no PSOL em 2012 foram para a legenda.

“Essa e outras mudanças foram ações deliberadas do Eduardo Cunha, em vingança por termos movido ação no Conselho de Ética contra ele”, diz.

O deputado federal também associa as iniciativas a temores do PMDB sobre o candidato do PSOL no Rio, Marcelo Freixo: “Percebendo a possibilidade de ele se tornar prefeito, Cunha atacou. E venceu, somos minoria”.

Wyllys diz que resta apelar à conscientização do eleitor. Embora lamente o que vê como omissão dos tribunais eleitorais, “que não fizeram uma campanha informando sobre essa mudança”, ele entende que “o leite está derramado”.

“Se a sociedade não gostaria que a lei fosse alterada, deveria ter se engajado no debate. Mas não o fez”, continua, “porque estava ocupada; a pauta era o impeachment da Dilma [Rousseff].”

REPRESENTATIVIDADE

Entre partidos, candidatos e organizações, há quem considere positiva a exigência de uma nota de corte em votos nominais.

“Não acho a medida ruim. Ela evita que, em função de puxadores de votos, você tenha qualquer pessoa eleita”, afirma Ricardo Young, candidato à Prefeitura de São Paulo pela Rede. “O vereador é um cargo de representatividade, é desejável que haja um mínimo”, afirma.

Embora lamente a redução da relevância do voto nos partidos, a Bancada Ativistatambém considera legítima a restrição a candidatos “com volume pouco expressivo de votos”.

O grupo aglutina nomes do PSOL e da Rede sob temas comuns, como a defesa dos direitos humanos, e reage à novidade: “Todos os nossos materiais de comunicação –site, redes sociais, eventos públicos, materiais impressos– apontam para os oito candidatos que estamos apoiando”, afirmou o coletivo, em nota.

A consequente aproximação entre eleitor e candidatos, prossegue, é benéfica e pode evitar “a surpresa que muitos tiveram ao assistir a votação do impeachment e ver justificativas desconectadas de reflexão política ou jurídica”.

*

DISTRIBUIÇÃO DOS VOTOS EM 2012

PCB
nominais: 406
legenda: 1.911
total: 2.317 (insuficiente para eleger vereador)
% de legenda: 82,48%

PSTU
nominais: 5.228
legenda: 6.863
total: 12.091 (insuficiente para eleger vereador)
% de legenda: 56,76%

PRB
nominais: 131.758
legenda: 164.472
total: 296.230
% de legenda: 55,52%

PSOL
nominais: 76.227
legenda: 41.248
total: 117.475
% de legenda: 35,11%

PMDB
nominais: 206.986
legenda: 95.178
total: 302.164
% de legenda: 31,5%

PSDB
nominais: 715.429
legenda: 318.071
total: 1.033.500
% de legenda: 30,78%

PT
nominais: 794.600
legenda: 327.886
total: 1.122.486
% de legenda: 29,21%

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