Crise política – A imagem do Brasil na mídia estrangeira, uma velha obsessão

Poucos países no mundo preocupam-se tanto com o que é dito sobre o seu país em veículos internacionais

Carta Capital

Por Tory Oliveira

Notícias sobre o impeachment publicadas pela mídia internacional
A preocupação sobre a imagem internacional está presente antes de o País se constituir como uma nação independente
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Preocupar-se com a imagem do Brasil construída no exterior é uma velha obsessão do brasileiro, da qual a celeuma em torno da profusão de reportagens e editoriais estrangeiros sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff é só mais um capítulo.

Uma breve busca pelo termo “repercute na mídia internacional” no Google mostra a dimensão do interesse. Só na última semana, havia cerca de 23 mil menções em jornais e sites brasileiros sobre o que se diz sobre o Brasil lá fora.

Em meio à polarização, reportagens e artigos de opinião publicados em veículos como The New York Times, The Guardian, El País e Le Monde sobre a crise política atual são utilizados como forma de chancelar as próprias opiniões.

A relevância da estratégia fica clara ao se observar a política. Desde o agravamento da crise, Dilma passou a oferecer com mais frequência sua versão da história à imprensa estrangeira, por meio de entrevistas para os correspondentes internacionais. Como resposta, o vice-presidente Michel Temer deixou as sombras para também conversar com veículos estrangeiros e negar as acusações de conspiração.

Tal preocupação sobre a imagem internacional está presente na história do Brasil mesmo antes de o País se constituir como uma nação independente. Ele existiu ao longo do monarquismo, perseverou com o estabelecimento da República e ao longo dos séculos XX e XXI.

Desde os primórdios

Em 1808, quando a família real portuguesa fugiu a fim de escapar das tropas de Napoleão, trouxe consigo artistas e cientistas estrangeiros com o objetivo de promover a nova nação internacionalmente.

No período da Independência, houve preocupação em promover a imagem do Brasil como um país estável, diferente dos demais países latino-americanos. No reinado de Dom Pedro II, o País participou de suas primeiras exposições internacionais, tentando se vender como um lugar moderno.

“Depois, na República, uma das primeiras decisões dos militares foi de mandar emissários ao Reino Unido, na época um dos principais parceiros comerciais, para promover na imprensa a imagem do Brasil estável, quase como se está fazendo agora, com Michel Temer enviando emissários para os EUA e Dilma Rousseff tentando dizer que é golpe”, explica o jornalista e escritor Daniel Buarque, que debruçou-se sobre a imagem internacional do país com mestrado pelo Brazil Institute do King’s College de Londres. “Sempre houve essa necessidade de vender uma imagem fora e consumir o que se interpreta internacionalmente sobre o País”, diz.

É difícil apontar as razões para essa preocupação. Muitas vezes, recorre-se à ideia do complexo de vira-lata, isto é, à visão inferiorizada que marca a percepção do brasileiro sobre si mesmo e seu país em comparação com outras nações. Para Daniel Buarque, porém, mais do que um capricho ou viralatice, a discussão sobre a imagem de um país no exterior é importante para todas as nações, central nas relações internacionais, diplomáticas e comerciais.

A diferença do Brasil para os demais é que a curiosidade local sobre a opinião estrangeira é generalizada, disseminada na sociedade, e não exclusiva dos políticos, acadêmicos, diplomatas e do mercado.

A diplomacia pública, isto é, o trabalho diplomático que visa atingir o público de todo o País (e não só os demais diplomatas) é trabalhado hoje mundialmente. “A diferença é que no Brasil todos se preocupam com a diplomacia pública, não só os diplomatas”, analisa Buarque, autor do livro Brazil, um país do presente – A imagem internacional do ‘país do futuro’.

Nesse ponto, a utilização do chamado “front externo” para reverberar suas posições sobre o processo de impeachment por Dilma pode ser uma boa forma de disputa da narrativa. “Se Dilma fica no Brasil falando em golpe, terá uma atenção limitada. A partir do momento em que ela faz o discurso para o mundo, esse discurso volta com mais força para o Brasil”, diz Buarque. “No caso de seu discurso na ONU, por exemplo, todos os veículos foram cobrir o que ela falaria. A partir de fora, ela conseguiu amplificar seu discurso no Brasil”.

O que se diz sobre o impeachment ‘lá fora’

Em meio a uma das polarizações políticas mais acirradas dos últimos anos e à disputa sobre se o processo de impeachment é ou não legítimo, houve quem enxergasse na mídia estrangeira uma cobertura menos enviesada sobre a situação.

Tal impressão parece estar mais ligada às características do trabalho de um correspondente ou de um veículo cobrindo um país estrangeiro do que a uma eventual simpatia externa ao governo Dilma.

De forma geral, os conteúdos noticiosos sobre a crise política brasileira são mais amplos e mais simples, uma vez que o objetivo final é contextualizar a situação para um público distante e pouco familiarizado com as nuances do sistema político ou da história do Brasil.

Por outro lado, as notícias produzidas localmente, embora sejam muitas, costumam mostrar episódios de maneira mais fragmentada.

“É claro que a imprensa internacional tem que ser um pouco mais didática e objetiva”, analisa Ciro Dias Reis, presidente da agência Imagem Corporativa, que desde 2009 produz um boletim trimestral sobre as impressões colhidas na mídia estrangeira sobre o que se passa em terras tupiniquins.

“É natural que a abordagem seja menos focada em detalhes e mais na essência do que está acontecendo”, afirma Reis. Para ele, há um “bom grau de realismo” na narrativa descrita por veículos estrangeiros sobre a crise.

Doutoranda em Jornalismo na Universidade de Austin, no Texas, Rachel Mourão também destaca a diferença de cobertura realizada por correspondentes e repórteres trabalhando para veículos nacionais.

“O correspondente tem mais liberdade para fazer essa cobertura temática, enquanto o jornalista brasileiro que está cobrindo o dia-a-dia no Congresso tende a gerar essa cobertura mais episódica”, afirma, lembrando que isso não é uma particularidade do repórter brasileiro. “O jornalista americano que cobre política nos EUA também faz uma cobertura episódica, que deriva da própria rotina da reportagem”

Para Mourão, a cobertura episódica é resultado das influências do modo como o jornalismo é feito e das oportunidades que são dadas ao repórter, cuja função está cada vez mais precarizada. “A dependência da fonte oficial acontece no mundo todo, porque a fonte oficial é mais valorizada do que as demais de forma geral. Essa é a pergunta de um milhão de dólares: como diminuir o impacto dessa dependência na produção jornalística”.

Na avaliação de Silvio Waisbord, editor-chefe do The Journal of Communication, uma das principais publicações acadêmicas sobre a comunicação nos Estados Unidos, a cobertura estrangeira tem sido regular e, de certa forma, imparcial. “Não há uma cobertura simpática à Dilma, mas a imprensa tem oferecido uma cobertura crítica sobre os parlamentares no Congresso”, explica o argentino radicado nos EUA.

Em geral, explica Waisbord, as reportagens lembram os leitores sobre a corrupção estrutural na política brasileira quando mencionam a corrupção na Petrobras, mas há poucas referências aprofundadas e sobre episódios históricos e as redes de corrupção.

“É uma história sem bandidos ou mocinhos. Não diria que há uma agenda contra a Dilma ou o PT, uma vez que as reportagens muitas vezes lembram os leitores de que os protagonistas do processo contra ela também estão envolvidos em casos de corrupção”, diz.

Para Waisbord, uma das principais diferenças entre a cobertura feita dentro e fora do Brasil sobre o processo de impeachment é que a imprensa nacional está também marcada pela polarização.

Assim, há coberturas que privilegiam um lado em detrimento do outro, publicando notícias positivas ou negativas de acordo com as suas posições editoriais já estabelecidas. Por sua vez, a imprensa americana tem deixado de lado o fato de que o noticiário brasileiro tem assumido apenas um lado no contexto da animosidade histórica entre a grande mídia e o governo do PT.

Para o diretor da Faculdade de Comunicação da UnB, Fernando Oliveira Paulino, a cobertura do impeachment em veículos estrangeiros pode ser caracterizada, por um lado, pela tentativa permanente de compreender o que está acontecendo no País, “o que não é uma tarefa fácil”.

“Por outro, em meios como o Le Monde e El País, possivelmente há mais diversidade e presença do contraditório que em alguns veículos brasileiros marcados historicamente por um paralelismo político que faz com que determinados conteúdos não encontrem a mesma ressonância que suas posições editoriais”, afirma. O exemplo, segundo Paulino, é o enquadramento negativo, insuficiente ou ausente na transmissão de posições favoráveis à Presidência da República nos últimos anos.

Na avaliação de Daniel Buarque, o mais importante da análise externa no Brasil é que ela muitas vezes foge do maniqueísmo presente nos dois lados da cobertura jornalística daqui. “Aqui criticamos quem não se encaixa nesse maniqueísmo. Criamos até a figura do ‘isentão’, que é criticado por todos por não se posicionar”.

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